Lançamento do livro “Bicentenário do término da Inquisição Luso-Brasileira”

Atualizado em: 11 de fevereiro de 2024Por

(Palestra proferida por Marcelo Miranda Guimarães na cerimônia de lançamento do livro em 31 de março de 2021, na sede do Museu da História da Inquisição em Belo Horizonte).

Gostaria de cumprimentar a todos com um caloroso shalom!

Primeiramente, nosso agradecimento às ilustres personalidades que tão gentilmente gravaram um vídeo para marcar esta histórica celebração. Ao Dr. Luiz Carlos Abritta, presidente do IHGMG, ao Dr. Walfrido Mares Guia, ex-ministro de Estado, ex-vice-governador, destacado empresário atuando em vários segmentos na área da educação e da indústria, ao grande amigo desta casa de longas datas, o Deputado João Leite que sempre nos honrou com sua presença em nossos eventos, à amiga Dra. Suzana Severs da Universidade Estadual da Bahia, e ao querido amigo cofundador da Abradjin e do Museu, o Rabino Joseph Shulam de Jerusalém, Israel.

Esta casa deve muito ao magnífico trabalho acadêmico da museóloga, historiadora, pós-doutora Neusa Fernandes, que impossibilitada de gravar um vídeo por motivo de saúde, nos enviou graciosamente uma mensagem, a qual eu passo a ler:

“Cordiais saudações a todas e a todos.

Em primeiro lugar, o meu abraço saudoso ao caloroso povo mineiro.

Nessa data tão especial, cumprimento o doutor Marcelo Guimarães e a toda a sua guerreira e simpática família.

Lembro quando se iniciou essa luta de evidenciar, para que nunca mais se repitam, os horrores da Inquisição. Relembro os dias e noites da fundação da Abradjin, 09 de agosto de 2000, com a inauguração de exposição no salão lotado do Hotel Sol, no centro de BH. Tudo idealizado pelo doutor Marcelo Guimarães. A convite dele, fiz palestra sobre o sofrimento dos cristãos-novos. Por 3 dias o sucesso da mostra se repetiu. Cumpríamos nossa obrigação cívica de inserir na nossa historiografia fato tão marcante e triste como a atuação do Santo Ofício no Brasil e em particular em Minas Gerais. Tenho orgulho de ter minimamente participado. Anos de luta foram exitosos com a inauguração do Museu História da Inquisição e são coroados hoje com o lançamento desse importante livro. Tudo obra do Doutor Marcelo Miranda Guimarães.

Desejo muito sucesso à obra Bicentenário do término da Inquisição luso-brasileira e parabenizo o Doutor Marcelo Guimarães pela tenacidade e por essa indiscutível vitória histórica.

Um agradecimento todo especial ao meu filho Tiago Zandona Guimarães que foi o diretor-editorial, cabendo a ele toda a organização e coordenação de nossa competente equipe (Marília, Margareth, Débora, Ana Dias, Renato Domingos e também ao meu filho Dr. Lucas Zandona que não mediram esforços para que este livro fosse concluído nesta data. Ao Lucas Dornas e Katheryne pela arte, fotografia e diagramação, à Brigite Teichreib de Castro pela revisão e tradução para o inglês, o meu muito obrigado.

Meu muito obrigado também àqueles que contribuíram generosamente, possibilitando a publicação deste livro e de maneira muito especial meu muito obrigado ao meu filho Matheus presidente do Ministério Ensinando de Sião e à toda diretoria que ele representa, pois, este Ministério tem sido o mantenedor principal do nosso Museu.

Prezadas senhoras, senhores e amigos que nos acompanham por esta “live” através do nosso canal do youtube e do instagram, boa noite e obrigado por sua participação.

Sem mais delongas, eu gostaria de iniciar a apresentação do nosso livro que marca a data do bicentenário do término da Inquisição, abolida pela Corte Constituinte de Portugal no dia 31 de março de 1821. O Museu da História da Inquisição através da Câmara Municipal propôs a criação do “Dia em Memória às Vítimas da Inquisição”, instituído pela lei municipal de número 10.805 em março de 2015, de autoria do vereador Juliano Lopes.

Sempre me perguntam por que eu criei um museu que retrata fatos históricos tão tristes que todos querem esquecer? Também me perguntam se é ético de minha parte em trazer à tona erros históricos da Igreja Católica? Em primeiro lugar, temos profundo respeito pela maior igreja cristã do mundo e esclareço que nosso foco não está naquele que foi o agente principal da Inquisição, mas sim em revisitar os registros históricos que possam nos levar à uma análise e reflexão quanto à tolerância, à alteridade necessárias para um estável e harmônico convívio social, respeitando à liberdade e ao direito de crença. Eu penso que o Perdão e ação amenizam a consequência da culpa pelos erros históricos e abrem portas para um promissor horizonte. É nessa perspectiva de construir um novo horizonte melhor e mais seguro para todos é que relembramos este dia 31 de março. A propósito, o Papa João Paulo II em visita a Israel em 2004 expressou seu sentimento de tristeza em relação à Inquisição, expressando seu desejo de conserto e reconciliação.

Sob este prisma do combate à intolerância e à discriminação é que celebramos este bicentenário do término da Inquisição. Há dois séculos, os deputados das Cortes Constituintes de Portugal aprovaram o decreto-lei que extinguiu os Tribunais do Santo Ofício da Inquisição, destacando a brilhante participação do Deputado Francisco Simões Margiochhi, dando continuidade ao trabalho iniciado de Marquês de Pombal que extinguiu os Autos de Fé nos meados do século XVIII. Assim, por quase três séculos milhares de pessoas consideradas hereges (judeus, bruxos, magos, curandeiros, apóstatas, sacrílegos etc.) foram processadas, julgadas, condenadas e executadas nas fogueiras inquisitoriais. Dentre os considerados hereges, os cristãos-novos (judeus obrigados à conversão forçada ao catolicismo) foram os mais perseguidos e processados devido aos seus bens que eram confiscados até à sua quinta geração.

Na minha interpretação, a intolerância não nasce de um dia para o outro, mas ela precisa de um longo tempo de gestação. Ela se inicia com uma simples e até mesmo ignorada ACEPÇÃO, isto é, quando se separam pessoas por critérios do tipo, raça, cor, credo etc.; esta atitude pode evoluir rapidamente para O PRECONCEITO, quando há um sentimento hostil, apressado, preconcebido, implicando um julgamento precipitado. Se não tratamos o preconceito, este com certeza irá resultar numa DISCRIMINAÇÃO, que já transgride os direitos do semelhante, levando à ações de exclusão e, por fim, nasce a INTOLERÂNCIA, como um somatório dos estágios anteriores, se solidificando na mente, alimentando, assim, o fundamentalismo, a inflexibilidade, o fanatismo, gerando, por fim, à VIOLÊNCIA, guerras e as consequentes perdas irreparáveis.

Partindo do fato que cerca de 70% das vítimas da Inquisição foram os cristãos-novos, judeus que foram obrigados à conversão forçada ao catolicismo e sem menosprezar os outros também considerados hereges pela Inquisição como, os curandeiros, os bruxos, os magos, os bígamos e sacrílegos, por exemplo, percebe-se que o preconceito e atos intolerantes contra os judeus deu-se nos primórdios do catolicismo quando vários Concílios se posicionaram contra o judaísmo e contra o povo judeu já em diáspora. Nesta época surgiu a afirmativa que os judeus foram “os assassinos de Cristo” e por isso, foram acusados de deicídio.

Nosso Museu tem chamado atenção para os riscos do fundamentalismo que em excesso leva ao fanatismo religioso. Percebe-se que uma as religiões que apregoam regras extremamente rígidas e fortes são aquelas cujas narrativas na maioria das vezes são confusas e dúbias. A obediência a um credo deve vir sempre acompanhada da compaixão, quer seja a denominação religiosa. Como dizia o Rei David, o trono de D´us está assentado sobre a Justiça e o juízo, juntamente com a misericórdia e a verdade. Percebo que são valores que trazem equilíbrio, afastando das atitudes intolerantes, pois somente a verdade deve ditar a justiça e o juízo e a sentenças decorrentes destas devem vir acompanhadas da misericórdia.

Percebe-se claramente que a intolerância religiosa foi o ponto central da Inquisição, cujo preconceito contra o povo judeu, bem como o desrespeito do direito de crença de um cidadão que agisse ou pensasse diferentemente da Igreja de Roma. Portanto, revisitando esses fatos históricos podemos constatar as raízes da intolerância que vieram se consolidando através do tempo, engendrando as Cruzadas da Idade Média e a instituição da Inquisição no século no final do século XV e início do século XVI que foram o berço de outras intolerâncias contra os judeus que ocorreram nos séculos seguintes, como os pogroms soviéticos, e até mesmo, o extermínio de judeus na segunda guerra mundial, conhecido como holocausto.

Talvez o maior erro do que pensar que Deus mandava matar hereges, como os judeus, os bruxos, os curandeiros, os magos, os sacrílegos em defesa de uma doutrina, o maior erro acredito, era agir contra a própria doutrina. Pois é inconcebível que uma religião cristocêntrica galgada no maior mandamento de Jesus que foi amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, se propusesse a matar, queimar cruelmente pessoas. Tal erro se agrava ainda mais quando olvidaram que o cristianismo teve suas raízes no judaísmo, sendo que o seu livro de fé e crença, a Bíblia, foi escrita por judeus, ou seja, pelos profetas e pelos apóstolos. O médico Lucas foi o único autor de um livro da Bíblia entre os outros 65 que não era judeu. Tal grau de intolerância negou a própria sorte, ignorou seus próprios fundamentos e origens.

O erudito Padre Antônio Vieira captou bem o espírito da Inquisição quando disse que o “Tribunal da Inquisição é o lugar onde os inocentes padecem e os culpados triunfam.”

Percebe-se que a Inquisição caminhou em sentido contrário aos princípios antropológicos, cuja essência está não só reconhecer as múltiplas formas de viver, mas também respeitando cada uma delas sem discriminá-las ou crer na superioridade de uma sobre a outra.

O antropólogo inglês Timothy Ingold, citado pela Dra. Ana Claudia Cavalcante em sua tese, diz que a antropologia precisa ser mais EDUCATIVA do que ETNOGRÁFICA e que deve apresentar pelo menos quatro características como ser GENEROSA (ao saber ouvir o outro), INFINDÁVEL no sentido de não limitar o caminho, COMPARATIVA ao reconhecer as várias formas e estilos de viver e CRÍTICA, não se conformando com a situação atual. Como base nesses fundamentos, eu posso dizer, que os Tribunais da Inquisição se distanciaram substancialmente dessas características antropológicas.

Eu creio que sob o prisma da tolerância e da alteridade podemos refletir e revisitar os fatos históricos da triste Inquisição. Mas, deixarei para outra oportunidade a continuidade deste tema.

Creio que esses pontos até aqui considerados constituem o escopo desta minha apresentação e que a partir deste momento passo a mostrar-lhes a cronologia dos fatos históricos.

Vamos, então, rapidamente, despertar o interesse pelo nosso livro ora publicado, inédito no Brasil e talvez no mundo, marcando o término deste período trágico de nossa história. (Neste momento apresentar o livro, mostrando algumas fotos e temas abordados no livro).

(Convido a todo leitor dar uma pausa e assistir o vídeo desta palestra postado no site): https://youtu.be/iTtfCN00ing

Setabastian Castellion dizia nos tempos da Inquisição:” Matar um homem não é defender uma doutrina, é matar um homem”.[1]

Portanto, enceramos esta apresentação deixando uma palavra de fé e de esperança de que podemos viver tempos melhores, estando alertas e sempre alertas aos atos de intolerância que infelizmente e frequentemente percebemos através da mídia, inocentes sendo mortos, refugiados entregues ao alento, minorias sendo discriminadas e dizimadas. Portanto, celebrar este bicentenário muito se justifica, pois feridas causadas pela intolerância religiosa do passado e nos dias de hoje precisam ser rapidamente curadas, e isto é uma responsabilidade e dever de todos nós, independente do credo que professamos. Concentrar esforços, começando pelo ambiente familiar, no meio estudantil e na própria comunidade, construiremos uma sociedade mais harmoniosa, justa e tolerante que preserva e respeita os direitos humanos.

Uma mensagem aos descendentes de cristãos-novos brasileiros que desejam restaurar as raízes de seus ancestrais, eu posso dizer que, o ser sefaradita é em sentimento que transcende palavras, pois de fato, é um reencontro com a memória e origens de seus ancestrais. É uma sensação de reencontrar a liberdade de crença de modo acolhedor e tolerante que afastam a acepção e a discriminação, abrindo portas para a harmonia, a paz e para a espiritualidade com Aquele que tem o registro de todos os povos, o D´us único de Israel.

O Profeta Jeremias reverbera: “É necessário trazer à memória aquilo que nos dá esperança[2].” Esta é a nossa esperança, construir uma sociedade mais justa e tolerante que preserva e respeita o direito de todos.

Muito obrigado a todos.

Belo Horizonte, 31 de março de 2021

(*) Marcelo Miranda Guimarães, engenheiro mecânico e industrial pelo CEFET, Pós-Graduado em Engenharia Econômica pela UFMG, MBA pela FGV, Ex- executivo do primeiro escalão de uma multinacional alemã por 25 anos, teólogo, escritor e fundador da Abradjin (2000) e do Museu da História da Inquisição em (2012). Associado Efetivo do IHGMG e Associado Correspondente do IHGRJ.


[1]ALMEIDA, Leandro Thomaz de.“ “Matar um homem não é defender uma doutrina, é matar um homem.” Notas sobre estratégia argumentativa de Sébastien Castellion no caso de Miguel Servet.Revista da USP, v.17, 2013. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/letrasclassicas/article/view/118435/ Acesso em: 20/09/2020.

[2]Livro das Lamentações, 3:21- Bíblia Sagrada

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